Maritacas
turbulentas agitam a calma, em revoada, na direção do flamboyant vermelho do
jardim. Tudo mais é quieto. O vento não bate, mal se vê a fumaça do fogão a
lenha saindo da chaminé da cozinha. A velha fazenda impõe um respeito, como num
adro, do alto das escadarias, que os séculos que passam não conseguem
arrefecer. Nada mais da autoridade dos antigos senhores do café embora ela, a
casa, continue a refleti-la.
Idalina
cozinha no compasso da lenha do fogão das refeições do tempo que já não é, não
corre, impregnado de histórias nas paredes, nos móveis, nos cristais, nos
porta-retratos. Fotos amarelas dos ancestrais testemunham, fantasmas silentes, poucas
transformações. Livros, revistas, mapas se vestem de poeira. Há quanto tempo?
Uma
televisão ligada revela as mudanças, mas a rotina de décadas não se abala com
os sons irradiados. Apenas eles destoam no cenário imutável da Fazenda Santo
Inácio e espantam, em seu monólogo estridente, as viuvinhas do pátio, por onde
circula Idalina, entre a cozinha, a mesa de jantar e as camas por fazer. Seus
passos arrastados nos chinelos desfilam frente à enseada de Botafogo pintada na
parede da sala de jantar. No centro do mural ergue-se o Corcovado, desprovido
de seu Cristo, emoldurando as poucas casas a beira-mar no Rio do século XIX. A
força do Império... Quanto tempo de distância a separar a capital da fazenda?
Um dia? Mais?
Nenhuma pressa
é possível. A vida cumpre seu tempo natural, indiferente às exigências do
século XXI, que não aconteceu em Santo Inácio, como talvez nem o XX. O Brasil
do Império e dos descendentes do Visconde do Imbé impõe seu ritmo. Sou uma
invasora, ciente da minha audácia, vendo na TV notícias duras, que assustam as
viuvinhas, desafiando a paz que não sei desfrutar. As camélias caídas no pátio
me censuram. Teria sido eu, com os ruídos provocados, quem as fez cair?
Timidamente,
dirijo-me aos livros, retiro um deles na estante, limpo a poeira com a barra da
blusa e tento me adequar. Lembro que pequena sonhava ser fazendeira, pintora ou
escritora quando crescesse. Não cresci muito e não sou nada disso. Uma sensação
de inutilidade me conduz as mãos ao botão que desliga a TV.
Nem tudo
está perdido. Uma das viuvinhas faz uma visita, pousando
no galho que se pendura em camélias frente às janelas do casarão. Abro o livro
e mergulho nas mesmas histórias que distraíram os Moraes ao longo de gerações.
Machado de Assis me conduz, com palavras melódicas, a um mundo que não pertence.