segunda-feira, 4 de março de 2013

Memórias de um Beta


Por Juliana Castro Cardoso


Sou de uma espécie conhecida, comum. Dizem que vivo sem muitos cuidados, mas o interessante é que vários como eu morrem em pouco tempo, exatamente por falta de tais cuidados.

Não incomodamos muito, apenas pedimos que cuidem da nossa alimentação, que esta seja servida em horários regulares e diurnos, que nosso ambiente seja limpo e tenha temperatura adequada à nossa espécie. Só! Acho que isso não é pedir muito a quem nos quer como companhia, você concorda?

Por falar em companhia, não gostamos de viver com outros peixes e temos personalidade fortíssima. É certo que não falamos, mas sempre damos um jeito de nos comunicar com as outras espécies, até mesmo com os humanos.

Vou contar minha história: Saí de uma feira livre, ensacado, e fui dado de presente a uma pequena menina. Pobre de mim! O que eu poderia dar de alegria àquela criança?

Não falo, não vou ao encontro do dono, não corro atrás de bolas, não sou fofinho como os gatos, não canto como os passarinhos. Pareço um sujeito meio antipático. Mas não é isso, apenas gosto de ficar na minha.

Bem, continuando..., saí de um furdunço, quente pra caramba e fui parar num lugar calmo e muito frio.

“Nossa! Este lugar tem mais a ver com o meu estilo!” Pensei.
O único barulho, ali, era da criança que, por vezes, se ausentava. O lugar era perfeito para um sujeito como eu.

Quem cuidava de mim era uma mulher, que todas as manhãs me cumprimentava:

“Bom dia Marlin! Fez muito frio essa noite? Vou ver no termômetro.”

“Nossa! Coitado, deve estar morrendo de frio. Vou colocar água quente pra você meu querido!”

“E agora? Tá mais animadinho, né?”

​Chic, chic, chic ... Era o barulho do saquinho da ração. Ela sempre o sacudia quando queria me chamar para comer e, depois, colocava, uma a uma na água, as seis bolinhas de ração da minha dieta. Fazia isso duas vezes ao dia.
​Ah! Como era bom...

Estava feliz naquele lugar. Era bem tratado, querido e respeitado. A criança brincava comigo todo dia, mas de longe, sem bater no vidro da minha casa, senão eu podia me assustar, como ensinava a mulher.
Que vidão!!

Eu só não gostava muito quando ela atrasava o horário da segunda refeição. Não faz bem comer muito tarde, dizem que pode dar pesadelos.

“ Marlin, desculpa mas não consegui te dar comida mais cedo."
“Ah! Meu Deus, você não quer comer?! Tá tudo bem?”
“Amor, vem ver o que você acha.”
“Será que tá com fungos?”
“Dizem que eles não duram nada, mas eu cuido tanto dele...”
“ Poxa, a Maricota vai ficar decepcionada se ele morrer.

“Calma, querida! vai ver ele ta só com frio”, dizia o marido.

Que nada, eu não queria era comer àquela hora. Onde já se viu, servir o jantar depois das dez. Não comia e pronto!

Com o tempo ela percebeu que eu não gostava de comer tarde da noite e achou uma graça. Depois, foi descobrindo o jeito que eu me comunicava. Era só colocar a comida na água que eu ia todo faceiro até a superfície. Às vezes, ela fingia que ia colocar minha comida, só para eu me aproximar. Já eu, fingia que acreditava só para chegar bem pertinho dela!
​A gente se dava muito bem!

Até que um dia, no meu aniversário de dois anos, ganhei de presente um castelinho de cimento para enfeitar minha casa. À primeira vista, ele era bem interessante. Lá dentro era escurinho, perfeito pra dormir até mais tarde!

​Gostava tanto que não queria mais sair de lá.
Só que, dali em diante, eu fui ficando meio esquisito, não era mais faceiro como antes.
Ela logo percebeu e comentou com o seu marido:

“Marlin tá tão estranho!"

“Esse castelinho deve estar deixando ele deprimido”, respondeu o marido.

“Então, vamos retirá-lo!” Disse ela.

Mas eu não melhorei e, assim, me despedi daquela vida boa. Parti, deixando saudades...




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